segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

''E se perguntassem o que vem a ser o certo, Gabriela olharia com a cabeça torta como a de um cachorro quando parece não compreender o que se passa. O olhar de repente vidrado de quem tem sede de entender as coisas que acontecem ao redor. Ela não sabia amar, talvez. Então mais um amor havia ido embora, mais um amor havia chegado ao fim. Nessa imensa individualidade onde ninguém podia entristecê-la sempre cresciam espinhos. Espinhos para machucar aqueles que a machucavam, então assim não a tocavam. Não tocava porque o medo da mágoa não deixava que lhe tocassem, ou então havia medo porque não haviam tocado fundo o suficiente para que o medo não existisse. Que triste então estava sendo, mas Gabriela parecia acostumada. Acostumada e fria porque depois de tantas lágrimas, ela finalmente parecia ter secado. A maquiagem borrada em volta dos olhos tinha sido limpa na noite anterior. Quando Antônio e ela se encontraram; ela parecia inteira. Inteira porque não tinha ficado nada dela para trás. Seus olhos eram de desilusão, de cansaço. Cansada de construir sonhos, planos, fantasias. E depois da desilusão ter de destruir uma a uma, como se nada daquilo tivesse um dia existido, só para olhar para trás e não sentir nada do que sentira antes. Era mais um fim doído, choroso, arrastado. Fosse o ponto final sua última lágrima de dor, já havia então sido decretado. Decretado num discurso mudo, num adeus em silêncio. Dito através de tudo daquilo que não havia sido falado. Antônio não parecia prestes a dizer nada. Gabriela não diria; se pudesse escolher, teria ficado calada, mas lhe escapou: “Meu coração tá ferido de amar errado. De amar demais, de querer demais, de viver demais. Amar, querer e viver tanto que tudo o mais em volta parece pouco. Seu amor, comparado ao meu, é pouco. Muito pouco. Mas você não vê. Não vê, não enxerga, não sente. Não sente porque não me faz sentir, não enxerga porque não quer. A mulher louca que sempre fui por você, e que mesmo tão cheia de defeitos sempre foi sua. Sempre fui só sua. Sempre quis ser só sua. Sempre te quis só meu. E você, cego de orgulho bobo, surdo de estupidez, nunca notou. Nunca notou que mulheres como eu não são fáceis de se ter; são como flores difíceis de cultivar. Flores que você precisa sempre cuidar, mas que homens que gostam de praticidade não conseguem. Homens que gostam das coisas simples. Eu não sou simples, nunca fui. Mas sempre quis ser sua. Você, meu homem, é que não soube cuidar. E nessa de cuidar, vou cuidar de mim. De mim, do meu coração e dessa minha mania de amar demais, de querer demais, de esperar demais. Dessa minha mania tão boba de amar errado. Seja feliz.”

Ainda com açúcar e muito afeto.

Eu me apego aos primentos momentos para me convencer que tudo foi o mais verdadeiro que conseguiu ser. Me apego à eles, pois pensei que o tempo não os modificaria, pensava isso só porque eu tinha vontade que assim fosse. Vontades nunca são o suficiente, não para o tempo. O tempo... o tempo nos toma de nós, sem que a gente seja capaz de perceber o que se perde ou as coisas duras que se ganha na nossa longa caminhada pelo tempo. Ele que me arrancou da forma mais dura, aquilo que sempre cultivei e que nunca quis perder. Me apego a solidão, a coisas tortuosas e incompletas, pois foi isso o tudo que me restou: os sentimentos inconsideráveis, que não tem importância nem para quem os sente. Me apego as mágoas mais puras e as lágrimas que se esvaem, mas nunca me deixam só, nem mesmo nos momentos em que eu suplico por solidão. As dores gritam para me ensinar o que não entendo, o que é desconhecido, porém, me é essencial. A lucidez surge nessa minha continuidade, mas eu nunca a quis. Nunca. Ainda prefiro minha intensa individualidade.

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

O tempo de uma noite

- Não. Por mais interessante que eu me mostrasse à ela, eu não conseguiria, cara. Você não entende o que conheci estando com ela, não queria que ela fosse... não agora que ela já encheu meus ouvidos de palavras que sempre me faltaram e outras que me restam. Ela bebeu toda a bebida do meu copo, de uma forma encantadora. Mas na verdade todos os seus movimentos eram encantadores. Ela abria e fechava a sua boca, de um jeito tão lindo, dizendo até coisas que eu nem cheguei a ouvir, porque eu prestava mais atenção em seus movimentos do que nos sons que a sua boca emitia. Eu a desejei desde que a vi, imaginei seu vestido jogado no chão meu quarto, e imaginei também como ficariam seus olhos quando amanhecessem ao meu lado. Eu queria sua boca de novo, que neste momento e em outros futuros, saciaria quase todas as minhas vontades. Aquela boca cheia de dentes que me sorria discreta e me mastigava. Cara, aquela mulher nunca deitará na minha cama novamente, só se eu for um cara de muita sorte. Enquanto ela tirava a roupa, ela cantarolava músicas de Vinicius de Moraes, a poesia parecia morar em seu corpo pequeno. Seus olhos eram meigos, mas ali se escondia o seu veneno, que era tão doce quanto a sua presença. Antes de cairmos no sono, eu não sabia quem era ela e nem quem era eu, pois enquanto nos entrelaçavamos seu corpo parecia ser tão meu, quanto o meu. O sol nasceu... e cadê a moça que adormeceu nua ao meu lado? ela se foi antes mesmo que eu me apaixonasse mais ainda por seus olhos, que eu esperava ver amanhecer.

- Ainda bem.

- E o pior de tudo, é que nem mesmo me lembrei de pedir o seu telefone, nem seu endereço. E antes de trazê-la para minha casa, nem me lembrei de perguntar o seu nome.

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

No chão

E foi em uma dessas voltas que ela caiu, e lá no chão ficou. Em um momento de delírio ela se sentiu em sua casa, aquele chão tinha cara de ser dela, mesmo com aquela atmosfera totalmente desconhecida. Ali ela se reduzia a um simples objeto sem dono, que caído no chão, nenhuma mão se estendia para levantá-la. Mas também, nenhuma mão seria amável o suficiente para resgata-la das coisas que cresciam ao seu redor, pensou ela.
E então, lá de longe um homem veio ao seu encontro. Ele a observava com um olhar piedoso. Ela o olhava com um olhar que implorava solidão. O homem num gesto quase espontâneo, tirou as mãos do bolso e estendeu a mão para a menina.


- Posso tirar você desse lugar ?
- Não, você não pode.
- Porque?
- Porquê este é o lugar que pode ser meu.
- Eu estou aqui. Posso ser seu se você quiser...
- Não, não quero.
- Porque?
- Porque se você for meu, eu não serei minha. Eu preciso ser minha, infinitamente minha.




A menina corria do mundo, enquanto o mundo girava girava e girava, sem sequer espera-la.

Adeus você

''Adeus você
Eu hoje vou pro lado de lá
Eu tô levando tudo de mim
Que é pra não ter razão pra chorar
Vê se te alimenta
E não pensa que eu fui por não te amar

Cuida do teu
Pra que ninguém te jogue no chão
Procure dividir-se em alguém
Procure-me em qualquer confusão
Levanta e te sustenta
E não pensa que eu fui por não te amar

Quero ver você maior, meu bem
Pra que minha vida siga adiante. ''

domingo, 19 de dezembro de 2010

A ex feliz cidade.

Nas ruas calmas, os automóveis correm apressados, ao encontro de qualquer coisa que esteja a sua espera. O que os move é a pressa de chegar. Onde? é o que me pergunto nesses dias tão pesados e nessas noites tão cheias de luz que fazem silêncio no vazio que perdura. A cidade que tenho diante dos meus olhos é mais imensa do que já foi. Sim. Ela já foi pequena nos dias que eu andava por essas largas ruas sem carregar tanto sal nos olhos e na boca. Nada se perdia, porque nessa velha cidade que já me pertenceu um dia, eu sabia o que me esperava por conhecer tão mais verdadeiramente minhas certezas, que eram tão absolutas quando misturadas com inverdades. Tenho medo dessa cidade porque ela é má e impetuosa. Eu sei que por trás de toda essa iluminação, coisas más se escondem atrás de bocas que articulam palavras falsas que soavam sólidas. Essa cidade que é tão grande. E eu tão pequenina no meio de toda essa grandeza tão incompleta e frívola. Foram as ruas dessa cidade que me fizeram andar em direção à coisas tão indignas de sequer uma lágrima de sal. Toda essa cidade dá risadas ao se deparar com todas as minhas faturas expostas, que doem incansavelmente. Tenho medo dessa cidade, por me apresentar um universo tão cheio de nuances, onde o azul tem gosto de azul. E depois arrancá-lo das minhas mãos, jogando em minhas costas coisas tão mais pesadas e sujas. Tentei ouvir a voz tímida da cidade, que norteava todas as minhas palavras e energias a um mundo inteiramente monocromático, onde as coisas nascem para serem urgentemente mortas, onde os cantares soam desafinados e os sonhos são amargos e secos. Me agrada muito mais esse gosto amargo, do que a falsa doçura da sua presença.

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Por favor
Deixe em paz meu coração
Que ele é um pote até aqui de mágoa
E qualquer desatenção, faça não
Pode ser a gota dágua

-

Chico Buarque de Hollanda

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Deixa estar

Em meio de tantas renúncias, gritos e descompassos, não me reconheço. Talvez o caminho de dores inesperadas, seja o caminho para quem sabe, me encontrar em uma outra vida, em uma outra história que seja totalmente outra. Entrego aos caminhos todos os meus encontros e todas as pequenas coisas que acontecem fugazes, que aparecem com a necessidade de se despetalarem rapidamente e também as coisas que nascem para serem profundas, fazendo parte de tudo que tenha imensa importância para minha memória. Tudo que se foi, precisava ser perdido. Eu sei disso. Eu sei, sem lágrimas, pois elas se cansaram de derramar-se. Ei!que dia tudo doeu e eu não senti? que dia tudo se perdeu e eu não vi?

Cais

Para quem quer se soltar invento o cais
Invento mais que a solidão me dá
Invento lua nova a clarear
Invento o amor e sei a dor de me lançar
Eu queria ser feliz
Invento o mar
Invento em mim o sonhador
Para quem quer me seguir eu quero mais
Tenho o caminho do que sempre quis
E um saveiro pronto pra partir
Invento o cais
E sei a vez de me lançar.



Milton Nascimento

sábado, 4 de dezembro de 2010

Domingo, 5 de dezembro de 2010, 00:30.

Muito prazer, meu nome é otário, vindo de outros tempos, mas sempre no horário. Sinto muito não ter te enviado cartas por esses dias que passaram tão devagar, ou por não perguntar depressa, o que acontece nas suas noites e nos seus dias de sol, porque nos dias chuvosos, sei que nada acontece. O problema é que eu não posso te escrever, pois não consigo não me lembrar daquele filme. Você se lembra? aquele filme que a gente sempre assistia, conhecendo o seu fim: trágico, sangrento e cheio de dores inacabas. Mas toda vez que eu o via, era como se fosse a primeira vez. Eu queria inventar um novo final, e um dia eu cheguei tanto a acreditar que ele mudaria, que quase cheguei a inventar que ele havia mudado. A esperança que sinto é perigosa, pois ela sempre me engana, quando mais preciso enxergar as coisas reais. E o que é a realidade? Ainda não sei. Às vezes acho que nunca cheguei a conhecer a realidade, por viver num universo tão meu. Me vejo lutando por causas que nunca vencerei. Nunca. Entrando em barcos furados na esperança de ver o irrealizável, realizar-se bem diante dos meus olhos, já cansados de tanto esperar o impossível, deixar de ser. Esses olhos que inventam o que querem ver, enxergando coisas que quase nunca, existem. Tudo bem, até pode ser que os dragões sejam moinhos de vento. Quase sempre são dragões, que se tornaram moinhos de vento. Grito com toda a minha força: sim, eu permito. E recebo-os - ainda - de todo o meu coração, mesmo conhecendo o seu começo e o meu final. Aquele velho final: trágico, sangrento e cheio de dores inacabas. Desculpe, mas não posso mais, não posso mais deixar a minha verdade para viver de suas mentiras sinceras, que não podem me interessar. Se dói? dói. Minha verdade dói e permanece só, no meio de tantos outros, que se esquecem de suas verdades ao conhecer a verdade dos outros. Só quero te dizer que tentei, de todas as formas possíveis - e impossíveis - fazer de você a pessoa que meus olhos enxergavam, e inventavam, sem parar. Fantasiando uma vida inteira, e as demolindo sem me cansar. Não sei o que é se cansar de ter esperança de um dia ser tudo que se quer, mas ainda espero ansiosamente esse dia chegar. Espero carregando o peso cansaço de uma pessoa que nunca se cansa. Talvez outro dia eu volte a te escrever, quando você parar de escrever-te em meus olhos que acreditam em qualquer invenção que pareça bonita. Não tente esquecer de tudo aquilo que se fez tão imenso em um dia que acreditamos juntos, pois é impossível esquecer de coisas que acontecem intensas dentro do peito. O fim, é só um recomeço. Foi a grande necessidade de pessoas que tentaram se mudar o tempo inteiro. Verdades não mudam, nunca. Te escrevo nas minhas tardes, noites e dias, afinal, você sempre vai estar.


Com o carinho de todo o nosso mundo que construimos - e destruimos - juntos, Juliana.