terça-feira, 30 de novembro de 2010

Casa pré-frabricada.

Havia acabado de pintar a parede da sala, agora azul. Azul: da cor da paz que desejava desde que a porta foi aberta, e fechada bruscamente, sem enternecimentos. Pelo mesmo que um dia a fechava sem urgências. Tamanha era a calma, que nunca conseguia interromper o meu sono, que era leve. As paredes com suas cores guardavam as formas, os cheiros e a história que não quis prosseguir. Naquele tempo em que tudo era faltoso, menos o amor e minha vontade de prosseguir para nossa eternidade - mas já era eterno - e eu não sabia. Quisera eu, me desfazer desses sentimentos que me consomem cada vez mais e não se ausentam nunca. Dessas coisas que de tão imensas dentro do peito, são impossíveis de suportar, mas suporto com a dignidade de um rei. O disco arranhado atrasa as canções, enquanto mudo os móveis da casa, colocando todos numa ordem que não se parece com você, afinal, você nunca chegou a conhecer. Compro novas flores e as coloco no mesmo vaso. Te leio nas suas linhas, que mais parecem minhas, tento guardá-las e me convencer que aquelas palavras não mentiam. Tão difícil entender, imagine explicar. Pois as coisas se emudeciam por dentro, assim como por fora, pois as palavras fugiam de mim. Tento mudar o que é profundo, e não desisto de decodificar tudo o que caiu no meu abismo interior. Muito interior. E não me importa que eu tenha que me destruir para que isso aconteça, pois é aí que minha coragem se esconde.

domingo, 28 de novembro de 2010

Meu amor,

devo começar essa carta dizendo que te amo? ou devo dizer que te amo, no fim da carta?
Afinal, o amor vem no começo ou no fim? Não sei. Só sei que ele sempre justifica os meios.

Águas de outubro

Nos últimos dias a chuva cai como quem nada quer, deixando os tempos mais longos para ter pensamentos estapafúrdios. Luz e beleza .Luz que ninguém quer saber de onde vem,já que o sol não apareceu no passar dos dias .Os minutos parecem se prolongar,as coisas parecem ficar mais intensas cá em mim. E então eu deixo que todas as minhas esperanças voltem a fluir, logo deixando de ser paradoxal com as minhas vontades, todas elas se elevam ao máximo do querer, como nunca se quis antes,desejando tudo que cause prazer do fundo da alma.




Sábado, 31 de outubro de 2009. Um dia feliz.

Do outro lado da tarde, Caio F.

Sim, deve ter havido uma primeira vez, embora eu não lembre dela, assim como não lembro das outras vezes, também primeiras, logo depois dessa em que nos encontramos completamente despreparados para esse encontro. E digo despreparados porque sei que você não me esperava, da mesma forma como eu não esperava você. Certamente houve, porque tenho a vaga lembrança - e todas as lembranças são vagas, agora -, houve um tempo em que não nos conhecíamos, e esse tempo em que passávamos desconhecidos e insuspeitados um pelo outro, esse tempo sem você eu lembro. Depois, aquela primeira vez e logo após outras e mais outras, tudo nos conduzindo apenas para aquele momento.
Às vezes me espanto e me pergunto como pudemos a tal ponto mergulhar naquilo que estava acontecendo, sem a menor tentativa de resistência. Não porque aquilo fosse terrível, ou porque nos marcasse profundamente ou nos dilacerasse - e talvez tenha sido terrível, sim, é possível, talvez tenha nos marcado profundamente ou nos dilacerado - a verdade é que ainda hesito em dar um nome àquilo que ficou, depois de tudo. Porque alguma coisa ficou.

domingo, 21 de novembro de 2010

Sobre tudo aquilo que não se pode ver.

De vez em sempre, me pego apenas com minhas inquietações, que nunca se ausentam. E brigo com toda forma de vida, que insiste nesse meu velho peito, que não se cansa de ser. Nunca pedi. Você que está perto, ou longe, me ouça: eu nunca pedi. Nunca pedi pra viver de emoções tão maiores do que eu. Tão pequena e imensa dentro das minhas próprias vidas e inúmeras caras. Ainda vou passear, lá do alto de onde você tem medo de voar, com os meus melhores sonhos, os mais doces possíveis: como aquele de alcançar todas as infinitas nuvens do céu. Não vou sair com uma única flor. Vou sair com aquelas tantas flores, que me enfeitam e fazem parte daquilo que sou e que você já conhece, tão de perto quanto eu. Toda a intensidade que carrego em cada passo, ultrapassa e invade o que tem vontade de ser, e não irá se despedir em nenhum dia. Eu entendo, ou melhor: sinto. Que se eu peco é na incansável vontade de ter. Pois é, que assim em mim, eu me atirei.




Aceito a condição.

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Dois - Tiê

Como dois estranhos,
Cada um na sua estrada,
Nos deparamos, numa esquina, num lugar comum.
E aí? quais são seus planos?
Eu até que tenho vários.
Se me acompanhar, no caminho eu possso te contar.
E mesmo assim, queria te perguntar,
Se você tem ai contigo alguma coisa pra me dar,
Se tem espaço de sobra no seu coração.
Quer levar minha bagagem ou não?

E pelo visto, vou te inserir na minha paisagem
E você vai me ensinar as suas verdades
E se pensar, a gente já queria tudo isso desde o inicio.
De dia, vou me mostrar de longe.
De noite, você verá de perto.
O certo e o incerto, a gente vai saber.
E mesmo assim,
Queria te contar que eu talvez tenha aqui comigo,
Eu tenho alguma coisa pra te dar.
Tem espaço de sobra no meu coração.
Eu vou levar sua bagagem e o que mais estiver à mão.

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Olha razão, ainda não quero te trocar pelo meu coração. Bem... explicação nenhuma isso requer.



O que é razão mesmo?

sábado, 13 de novembro de 2010

Eu paro, ouço. Tento aprender o que acabo de ouvir. Leio que perder-se também é caminho. Meus pés não tocam o chão. Meu coração vive nas estrelas. Minha falta de razão, vive na terra quanto no céu. A solidão bate na porta, desejando minha companhia. O incerto me faz querer. O bom senso se despede. As palavras ditas quando tinham que ser, me acalmam. O devaneio se faz constante. Sou plena, de sentimentos que ainda não sei. O inesperado chega com uma beleza que nunca senti. A lucidez é minha. Dúvidas me aparecem. Entender eu não quero. Penso em desistir, mas sinto em ficar. O que parece subjetivo, é mais que óbvio. O medo ainda dar risadas e é feliz. É tudo dono de tanta grandeza, que transborda. Idéias se transforam no que eu permiti. A exatidão se vai. O coração fala, sem sequer pensar. Tudo nasceu de um sonho, que não sonhei. E da realidade, que é tentativa de tornar-se sonho.

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Para uma menina com uma flor.


Porque você é uma menina com uma flor e tem uma voz que não sai, eu lhe prometo amor eterno, salvo se você bater pino, que aliás você não vai nunca porque você acorda tarde, tem um ar recuado e gosta de brigadeiro: quero dizer, o doce feito com leite condensado.
E porque você é uma menina com uma flor e chorou na estação de Roma porque nossas malas seguiram sozinhas para Paris e você ficou morrendo de pena delas partindo assim no meio de todas aquelas malas estrangeiras. E porque você quando sonha que eu estou passando você para trás, transfere sua d.d.c. para o meu cotidiano e implica comigo o dia inteiro como se eu tivesse culpa de você ser assim tão subliminar. E porque quando você começou a gostar de mim procurava saber por todos os modos com que camisa esporte eu ia sair para fazer mimetismo de amor, se vestindo parecido. E porque você tem um rosto que está sempre num nicho, mesmo quando põe o cabelo para cima, como uma santa moderna, e anda lento, a fala em 33 rotações mas sem ficar chata. E porque você é uma menina com uma flor, eu lhe predigo muitos anos de felicidade, pelo menos até eu ficar velho: mas só quando eu der aquela paradinha marota para olhar para trás, aí você pode se mandar, eu compreendo.
E porque você é uma menina com uma flor e tem um andar de pajem medieval; e porque você quando canta nem um mosquito ouve a sua voz, e você desafina lindo e logo conserta, e às vezes acorda no meio da noite e fica cantando feito uma maluca. E porque você tem um ursinho chamado Nounouse e fala mal de mim para ele, e ele escuta mas não concorda porque é muito meu chapa, e quando você se sente perdida e sozinha no mundo você se deita agarrada com ele e chora feito uma boba fazendo um bico deste tamanho. E porque você é uma menina que não pisca nunca e seus olhos foram feitos na primeira noite da Criação, e você é capaz de ficar me olhando horas. E porque você é uma menina que tem medo de ver a Cara– na-Vidraça, e quando eu olho você muito tempo você vai ficando nervosa até eu dizer que estou brincando. E porque você é uma menina com uma flor e cativou meu coração e adora purê de batata, eu lhe peço que me sagre seu Constante e Fiel Cavalheiro.
E sendo você uma menina com uma flor, eu lhe peço também que nunca mais me deixe sozinho, como nesse último mês em Paris; fica tudo uma rua silenciosa e escura que não vai dar em lugar nenhum; os móveis ficam parados me olhando com pena; é um vazio tão grande que as outras mulheres nem ousam me amar porque dariam tudo para ter um poeta penando assim por elas, a mão no queixo, a perna cruzada triste e aquele olhar que não vê. E porque você é a única menina com uma flor que eu conheço, eu escrevi uma canção tão bonita para você, "Minha namorada", a fim de que, quando eu morrer, você se por acaso não morrer também, fique deitadinha abraçada com Nounouse, cantando sem voz aquele pedaço em que eu digo que você tem de ser a estrela derradeira, minha amiga e companheira, no infinito de nós dois.
E já que você é uma menina com uma flor e eu estou vendo você subir agora – tão purinha entre as marias-sem-vergonha – a ladeira que traz ao nosso chalé, aqui nestas montanhas recortadas pela mão presciente de Guignard; e o meu coração, como quando você me disse que me amava, põe-se a bater cada vez mais depressa. E porque eu me levanto para recolher você no meu abraço, e o mato à nossa volta se faz murmuroso e se enche de vaga-lumes enquanto a noite desce com seus segredos, suas mortes, seus espantos – eu sei, ah, eu sei que o meu amor por você é feito de todos os amores que eu já tive, e você é a filha dileta de todas as mulheres que eu amei; e que todas as mulheres que eu amei, como tristes estátuas ao longo da aléia de um jardim noturno, foram passando você de mão em mão, de mão em mão até mim, cuspindo no seu rosto e enfeitando a sua fronte de grinaldas; foram passando você até mim entre cantos, súplicas e vociferações – porque você é linda, porque você é meiga e sobretudo porque você é uma menina com uma flor.



Doce, delicado e grande mestre das palavras, Vinícius de Moraes.