quarta-feira, 28 de julho de 2010

Viver é melhor que sonhar.


'' Não quero lhe falar,
Meu grande amor,
Das coisas que aprendi
Nos discos...

Quero lhe contar como eu vivi
E tudo o que aconteceu comigo
Viver é melhor que sonhar
Eu sei que o amor
É uma coisa boa
Mas também sei
Que qualquer canto
É menor do que a vida
De qualquer pessoa...''

Aqueles ares ainda me pertenciam, eu o respirava e me convencia: serão eternamente meus. Pés que calçavam número trinta e quatro e até números menores já haviam transitado por aquelas ruas, que agora calçando número trinta e seis passeavam em cima das mesmas pedras, com os mesmos sonhos e o mesmo jeito torto de sempre.


Subia as escadas que já conhecia. As árvores eram as mesmas de anos atrás, as frutas idênticas, a pintura havia mudado, não sendo a mesma de quando pequena, me tornava uma princesa mãe de uma barbie, o quadro ainda estava ali, um cavalo imutável dono de uma jovialidade eterna que a arte o proporcionava. A saudade das coisas que se foram - que raramente me lembro - me consumia a cada passo, fiz um barulho que quando calçava número trinta e quatro não fazia. Claro! agora calçava trinta e seis e não era mais uma princesa mãe de uma barbie, que produzia sons quase imperceptíveis, era um corpo maior de pés maiores. Mas e os sonhos? os mesmos. Dos mesmos tamanhos, ultrapassando o tamanho do corpo, porém, faziam barulhos altos demais dentro de mim, que ninguém era capaz de ouvir, a não ser eu. Pretérito e presente se confundiam, numa desorganização que fazia silêncio por não saber defini-los claramente. Ali, parada num lugar que já vivi muitas horas da minha meninice feliz, caos no meu interior desabrochava. O que deixei ali, há anos atrás, ainda sou eu, fiquei surpresa. Precisei passar por ali, para descobrir que o que eu fui, é ainda o que sou. Apesar de toda a liberdade de ser, e do direito de mutação, isso não me aconteceu. Enfim, entrei no lugar onde certezas foram confirmadas. O tempo me guardou, do seu jeito, mas guardou. Me vendo com seis anos, olhares ainda são os mesmos, a timidez risonha, a doçura ao cantar, o amor a Elis Regina e a música popular brasileira, o jeito de coçar o nariz, de amarrar os cabelos e de sorrir, sorriso que lá deixei e sempre volto para buscar. Sorriso largo, o mesmo, que por sorte o tempo fez o favor de guardar.